Considerações relativas aos utentes internados em UCI
As intervenções dirigidas ao utente da UCI, para além de todas aquelas resultantes da prestação directa de cuidados mais ou menos técnicos característicos deste tipo de serviço, estão ligadas a um fenómeno estudado pela primeira vez na década de 1950-1960, e que Hewitt, J. (2001) descreve na sua Revisão da literatura, como o Síndrome dos Cuidados Intensivos, que na realidade traduz-se por distúrbios psicoafectivos com alterações no humor (a possibilidade de surgirem quadros depressivos) e/ou sintomatologia psicótica.
Segundo esta mesma autora, todo este quadro pode ser resultante de múltiplos factores: o medo sentido por estes doentes, a situação de elevada dependência a que estão sujeitos, elevados níveis de ansiedade, cuidados pouco humanizados, perturbações do sono, o ambiente que envolve uma unidade de tratamento crítico (a iluminação e os ruídos), a falta de noite e dia, as dificuldades sentidas na comunicação verbal provocadas pela presença do tubo orotraqueal o que causa insegurança, despersonalização e sentimentos de frustração (Clarke, 1985; Bergbom- Engberg & Haljamae, 1988; Todres et al., 2000). Um outro factor considerado por esta autora será o uso de determinado tipo de drogas com propriedades alucinogénicas, por exemplo, Midazolan e OUTRAS Benzodiazepinas podem induzir alucinações sexuais (Dundee et al, 1991).
Este sindrome necessita de intervenção por parte do enfermeiro, já que pode evoluir nos indivíduos sobreviventes para Stress Pós-Traumático, que podem apresentar sintomatologia (pesadelos, flashs de memórias desagradáveis, depressão) durante meses após a sua saída da UCI. A incidência do Síndrome dos Cuidados Intensivos, varia muito de UCI para UCI, mas Bennum, I. (2001), na revisão da literatura que fez considera que em Unidades de Cirurgia Cardiotoracica oscila entre os 10-20%, podendo ir noutro tipo de unidades até aos 40% e constata que quanto maior o tempo de internamento neste tipo de unidades maiores as possibilidades de desenvolver este distúrbio. Na perspectiva de Hewitt, J. (2001), as intervenções de enfermagem deverão de ir de encontro às causas deste fenómeno, deste modo, a atitude do enfermeiro cuidador primará pelo relacionamento empático, simpatia, pelo uso do toque terapêutico, o segurar na mão nos procedimentos e técnicas invasivas mais traumatizantes, o toque mesmo com o doente sedado e curarizado é sentido (Verity, 1996), o falar com o doente mesmo estando sedado explicando o que se vai fazer, o que virá a seguir. Todos estes procedimentos transmitem ao outro que o enfermeiro está focado nele e não nos ruídos que o circundam (Weiss, 1990), se o enfermeiro só toca no doente quando tem de prestar cuidados mais técnicos e invasivos, então a presença do enfermeiro será associada a dor e sofrimento. Para esta autora, os cuidados de enfermagem deverão ser complementados com a presença de familiares e amigos, que serão um importante recurso na prevenção do Síndrome dos Cuidados Intensivos e do Stress Pós-Traumático (PTSD). Em estudos feitos ficou demonstrado que utentes que estiveram sedados e curarizados lembraram-se posteriormente das palavras de encorajamento dos seus familiares (Jonhnson et al, 1998), seria pois importante que as instituições revissem as suas políticas de visitas a doentes internados nestas unidades de tratamento crítico, já que habitualmente predomina um acesso aos serviços com horários restritos que parecem beneficiar mais quem lá trabalha do que propriamente quem mais deveria beneficiar.
A implementação da supervisão clínica como importante suporte aos enfermeiros menos experientes seria uma medida a desenvolver. A atribuição de um doente por enfermeiro, deixaria estes mais disponíveis para despiste de sinais e sintomas indicadores deste síndrome e portanto mais atentos e dedicados à sua prevenção.
Uma outra medida defendida por esta autora pende-se com a orientação dos utentes que viveram este fenómeno para a comunidade aquando da alta do hospital, no sentido de se implementar um plano de atendimento que previna Stress Pós-Traumático (Maddox, et al, 2001). Na perspectiva de Bennum, I. (2001), as intervenções na prevenção deste fenómeno poderão ser feitas a três níveis: Intervenções a nível do ambiente, a nível da medicação psicotrópica e antidepressiva e a nível psicológico.
Ambiente – este autor acha importante que as unidades estejam munidas de sistemas de controlo de intensidade da luz, de modo a diminuí-la nos turnos da noite; seria também importante reduzir o volume dos alarmes nos turnos da noite; A comunicação contínua com estes doentes, explicando todos os procedimentos mesmo que estejam sedados, orientando ao longo do turno no tempo e no espaço;
Medicação – é importante o despiste precoce de sintomatologia por parte do enfermeiro pois poderá ser necessário a introdução de psicotrópicos ou de antidepressivos, quanto mais cedo for detectado menor o risco de morbilidade e de evolução para PSTD
Psicológico – este autor associa este tipo de intervenção com a presença mais assídua da família, como meio que poderá contribuir para uma melhor orientação do doente. Uma outra situação encontrada na bibliografia consultada, foi o Stress Pós- Traumático (PSTD), que para Wallen, K et al (2008), é um fenómeno que resulta num distúrbio da ansiedade, é uma resposta adaptativa ao stress, estando associada a medo, insegurança, ligada a memórias desagradáveis e traumatizantes, acompanhada por manifestações psicossomáticas tais como taquicardia, taquipneia, sudação, podendo levar à inactividade, desmotivação, falta de objectivos, situações de depressão profundas. Estes autores consideram que se a sintomatologia persiste durante um mês estamos perante um episódio agudo, mas que se persistir para além dos três meses então estamos perante uma situação que se tornou crónica. No estudo que desenvolveu entre outras questões pretendeu saber que percentagem de utentes desenvolveu PSTD um mês após alta da UCI, tendo concluído que 13% dos participantes apresentaram sintomatologia. As medidas de intervenção que defende têm muito a ver com as medidas de prevenção do Síndrome dos Cuidados Intensivos podendo ser mesmo consequência deste síndrome se ignorado. Acrescenta que sempre que possível, as unidades de cirurgia intensiva, nas cirurgias que são programáveis, deveriam instituir a medida: visita à unidade antes da cirurgia no sentido de melhor preparar os utentes para o ambiente físico que irá encontrar no pós-operatório. Ainda em relação ao PSTD, Baxter, A (2004), entende que esta doença psiquiátrica que poderá ser altamente incapacitante se não tratada, implicará por parte dos enfermeiros as seguintes intervenções: o treino do pessoal de enfermagem para o reconhecimento precoce de sinais e sintomas, o estabelecimento de protocolos de actuação, a existência de supervisão clínica e aconselhamento, o encaminhamento e interligação para os serviços na comunidade, passará também pela facilitação da visita do utente à unidade após a alta se sujeito a terapia cognitivo-comportamental.
Uma outra visão da intervenção do enfermeiro numa UCI e virada para a melhoria da qualidade de vida é o uso da musicoterapia que segundo a consulta do estudo de Billey, F (2000), contribuirá para a redução dos níveis de ansiedade, da dor e sofrimento e promoção do relaxamento. Esta pesquisa parece também indicar que para além da melhoria na dimensão psicológica parece haver melhoria em termos fisiológicos a nível da frequência cardíaca e respiratória. Num estudo realizado por Maciel, M. & Souza, M. (2005), onde se questionou, se o utente internado em UCI, gostaria ou não de ter acompanhante, concluiu-se que 59% da amostra gostaria efectivamente de ter acompanhante; dos que responderam não querer acompanhante mostraram-se preocupados com o bem-estar do seu familiar e por não querer que o vissem sofrer. Os autores salientam não haver bases científicas que justifiquem as limitações às visitas que habitualmente são colocadas neste tipo de unidades e que estas são colocadas mais para proteger os profissionais no seu desempenho do que propriamente para benefício do doente da UCI.
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